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NOTGELD – DINHEIRO EM TEMPOS DE CRISE

Atualizado: 23 de jan. de 2024

Todo colecionador já ouviu falar sobre a hiperinflação que atingiu a Alemanha do pós Grande Guerra no início dos anos 1920, com pessoas empurrando carrinhos de mão cheios de cédulas de bilhões de marcos para comprar apenas um pedaço de pão. Como veremos a seguir, este assunto além de interessante é também muito estimulante e até mesmo divertido.

Notgeld é o nome em alemão para "dinheiro de emergência" ou "dinheiro para necessidades". Durante a Primeira Guerra Mundial e logo após seu término, à medida que a economia alemã entrava em crescente tensão, muitas cidades passaram a emitir o seu próprio dinheiro de emergência, com o objetivo de resolver a escassez de cédulas e moedas de baixa denominação. Diferentes cidades e regiões produziram cédulas que promoviam ou faziam referência as suas distintas atrações, seu folclore ou aos seus principais produtos, ou simplesmente embutiam mensagens políticas ou sociais. Os desenhos rapidamente ficaram bastante sofisticados e os notgelds se tornaram colecionáveis.

O ponto interessante é que o que começou como um dinheiro transitório, projetado para ser usado como o pequeno troco da vida cotidiana, acabou por se tornar uma história social extremamente variada, inventiva e divertida do período de 1914 a 1924, como podemos ver nos exemplos apresentados a seguir.


Questões sociais

Durante o período era comum a emissão de notgelds com desenhos que comentavam questões sociais, tal como os "notgelds do nabo", lamentando a desastrosa escassez de alimentos de 1917. Em um dos desenhos da cidade de Bielefeld, o artista incluiu uma mensagem oculta criticando a terrível situação alimentar na Alemanha no inverno de 1917, o chamado "inverno do nabo". Escondido dentro do selo da cidade, o artista incluiu as palavras "doce esperança" acima da imagem de um presunto e as palavras "assim vivemos" acima da imagem de um nabo. Nesta época imagens de nabos abundavam em notgelds.




Bielefeld (1917) 25 Pfennig . O "notgeld do nabo"


Colecionáveis


A partir de 1919, as cidades passaram a lucrar emitindo seus notgelds e vendendo-os para colecionadores de toda a Alemanha. Surgiram milhares de notgelds com diferentes desenhos e até mesmo vilarejos menores passaram a emitir seus próprios notgelds. Os inúmeros desenhos oferecem uma visão da turbulenta vida política e cultural da Alemanha na época.




Bad Oeynhausen (1921) 25 Pfennig. O notgeld comenta

o conflito político na precoce República de Weimar.


Lendas locais


Muitos notgelds faziam referências à histórias, contos ou lendas locais. Um notgeld da cidade de Colônia (Koln) referia-se a um suposto pacto com o diabo que um mestre construtor fez para construir a grande catedral da cidade. As montanhas Harz abrigam lendas sobre bruxas e os notgelds emitidos na região lembravam da lenda ao destacarem em seu corpo "Existem bruxas em todos os lugares, mas as nossas são as melhores!"



Koln (1922) 50 Pfennig. O notgeld faz alusão ao pacto

do construtor da catedral de Colônia com o diabo.



Harz Mountains (1921) 25 Pfennig. O notgeld faz alusão

a uma famosa lenda sobre bruxas na região.


Produtos locais


Havia notgelds que anunciavam produtos locais. Uma série de Köstritz promovia a cerveja preta da cidade, enfatizando suas propriedades saudáveis. Os notgelds de Rathenow mostravam seus famosos produtos óticos. E alguns notgelds bastante raros foram feitos de seda ou couro, destinados a anunciar as indústrias têxteis e de couro locais, como os de Bielefeld e Pössneck, respectivamente.



Köstritz (1923) 50 Pfennig. O notgeld promove a cerveja local.



Pössneck (1923) 50 milhões de Marks. Um raro notgeld

de couro originalmente colorido com um falso dourado.



Bielefeld (1921) 500 Marks. Notgeld produzido com seda

e que embute um latente antiamericanismo.



Rathenow (1921) 50 Pfennig. O notgeld promove seus instrumentos óticos.


Locais turísticos


Outros notgelds apresentavam vistas idealizadas da paisagem alemã. Havia anúncios de viagens românticas, apelando para um povo que desejava se livrar dos anos amargos da guerra, como os notgelds impressos por uma pequena cidade perto de Hamburgo se autopromovendo como "o paraíso dos caminhantes", ou os notgelds da região da Turíngia, promovendo-a como um destino de esqui.



Braunschweig (1921) 25 Pfennig. A imagem mostra um ônibus viajando pelas Montanhas Harz, observados pelo "Homem Selvagem", uma figura mitológica.



Igelshieb (1921) 10 Pfennig. O notgeld promove um importante centro de ski.


Nacionalismo


Não tinha como faltar os notgelds ultranacionalistas, como os que exigiam o retorno das colônias alemãs confiscadas pelo Tratado de Versalhes, ou os que promoviam a imagem do autoritário Paul von Hindenburg.



Sonnenbend (1921) 50 Pfennig. O notgeld retrata Paul von Hindenburg, um

político ultra nacionalista no pós-guerra e que foi eleito presidente em 1925.


Economia


Havia notgelds criticando severamente os especuladores da guerra e, quando a hiperinflação bateu, passaram a caricaturar os supostos especuladores responsáveis por isso. Aliados a estes estão os notgelds antissemitas, como o de Verden, mostrando dois especuladores judeus dentro de uma gaiola pendurada a uma árvore.



Verden (1921) . A cédula mostra como "especuladores" eram punidos

na Idade Média. Era fácil para os contemporâneos lerem isso como uma

ameaça mais ou menos implícita aos supostos aproveitadores da inflação.


Política


Teve um conjunto de notgelds emitidos apenas para a conferência do Partido Social Democrata de 1921 em Emdem, que mostrava retratos de Karl Marx, Friedrich Engels e August Bebel e que só foram válidos durante a conferência. E houve notgelds aludindo às amargas imagens das reparações que a Alemanha foi forçada a pagar por anos após o fim da guerra e que foram o gatilho da crise de hiperinflação de 1923, quando a França reocupou a região industrial do Ruhr.



Emdem (1921) 10 Pfennig. O notgeld retrata

Friedrich Engels, um dos fundadores do marxismo.



Bitterfeld (1921) 50 Pfennig. O notgeld mostra um trem transportando carvão para a

França como parte do Tratado de Versailles. Vê-se ao fundo uma pequena

torre Eiffel fazendo referência ao destino do carvão.


1923 e a hiperinflação


Durante a hiperinflação em 1923, o notgeld também desempenhou um papel fundamental. Como o Reichsbank não conseguia acompanhar a impressão de cédulas novas, o governo foi forçado a permitir que cidades e até mesmo empresas privadas emitissem seu próprio dinheiro de emergência, com denominações que chegavam aos milhões, bilhões e até trilhões de marcos, no auge da inflação. Um dos notgelds de maior denominação foi emitido na cidade de Duisburg no valor de 50 trilhões de marcos.



Duisburg (1923) 50 Bilhões de Marks.


Conclusão


Os notgelds aqui exibidos mostram o caráter de urgência desse dinheiro de emergência, muitas vezes impressos em apenas um lado do papel, e as mensagens inseridas em seus desenhos. No final de novembro de 1923, a hiperinflação terminou com a introdução do Rentenmark. Um fato menos conhecido é que a introdução do Rentenmark foi acompanhada pela proibição do notgeld, o qual havia contribuído enormemente para a crise cambial no primeiro momento.

Quanto mais se olha para cada notgeld emitido e se lê a sua mensagem, mais fascinante o assunto se torna, com um tesouro de histórias fascinantes e desenhos fabulosamente inventivos. Muitos de seus designers se tornaram famosos, como por exemplo Franz Jüttner, que era um cartunista popular antes da guerra e desenhou muitos dos notgelds em um distinto estilo de quadrinhos.

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