O tóxico legado dos testes nucleares da França nos desertos da Argélia.
A França é um dos cinco estados com armas nucleares signatários do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (NPT em inglês), junto com os Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha e China. Sob o governo de Charles de Gaulle, a França realizou seu primeiro teste bem-sucedido de bomba atômica nas profundezas do Saara argelino em 1960, tornando-se a quarta potência nuclear do mundo depois dos Estados Unidos, da então União Soviética e da Grã-Bretanha. Dos 210 testes nucleares franceses, entre 1960 e 1996, a grande maioria, 193, foram feitos na Polinésia Francesa, enquanto 17 aconteceram no Saara argelino. O primeiro teste em território argelino se deu em 1960 e assim como os três posteriores, foram testes na atmosfera. Embora a Argélia tenha obtido sua independência da França em 1962, a França continuou a realizar os testes nucleares até 1966, apesar que eles passaram a ser subterrâneos. Segundo com um artigo secreto do acordo de independência entre a Argélia e a França, a Argélia admitia que a França usasse locais e instalações militares que eram necessárias para a França por um período de cinco anos. Claramente estes locais e instalações militares referiam-se aos testes nucleares. Um acidente aconteceu em 1 de maio de 1962, com uma bomba quatro vezes mais potente que a de Hiroshima. Devido à vedação inadequada do poço subterrâneo que abrigava a bomba, rochas e poeira radioativas foram lançadas para a atmosfera e expuseram severamente à radiação soldados franceses. Mas também outras 100 pessoas, incluindo oficiais e burocratas franceses e trabalhadores argelinos, foram expostos à níveis mais baixos de radiação, atingidos por uma nuvem radioativa trazida pelo vento até o local onde se encontravam. Tanto na Argélia como na Polinésia Francesa houve demandas por indenizações de pessoas que afirmaram terem tido lesões em função dos testes nucleares. O governo francês consistentemente negou ao longo dos anos que as lesões aos militares e civis foram provocadas por seus testes nucleares. Vários veteranos franceses e grupos argelinos e polinésios travaram processos judiciais e lutas de relações públicas exigindo indenizações do governo da França. Quase 50 anos depois, em 2009, o governo francês se ofereceu para compensar as vítimas de testes nucleares na Argélia e no Pacífico Sul, curvando-se a décadas de pressão de pessoas adoecidas pela radiação. Mas dos 50 argelinos que desde então lançaram reivindicações, apenas um, um soldado de Argel que estava estacionado em um dos locais de testes, foi capaz de obter compensação. Porém o legado dos testes com bombas atômicas francesas na Argélia não se restringiu apenas aos problemas de saúde das pessoas atingidas pela radiação, mas também aos relacionados ao Meio Ambiente. A França na década de 1960 tinha uma política de enterrar todos os resíduos radioativos dos testes de bombas argelinos nas areias do deserto, e sempre se recusou a revelar suas localizações. Em um estudo divulgado em 2020, "Radioatividade Sob a Areia", a ICAN França, uma coalização global da sociedade civil que trabalha para promover a adesão e a plena implementação do Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPNW em inglês), instou Paris a entregar à Argélia uma lista completa dos locais de sepultamento e facilitar sua limpeza. O TPNW obriga os Estados a prestar assistência adequada aos indivíduos afetados pelo uso ou teste de armas nucleares. Embora o tratado tenha sido assinado por 122 estados-membros da ONU, nenhuma das potências nucleares o ratificou, com a França argumentando que o tratado era "incompatível com uma abordagem realista e progressiva do desarmamento nuclear". Mais de 60 anos desde que a França iniciou seus testes nucleares nos desertos da Argélia, seu legado continua a envenenar as relações entre a nação norte-africana e seu antigo administrador colonial.
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